[Crítica] "Os Fantasmas Ainda Se Divertem" - A Redescoberta da Essência de Tim Burton

Em tempos onde continuações, remakes e requels dominam as telas, poucos cineastas conseguem retornar às suas raízes de maneira tão visceral e autêntica quanto Tim Burton. 

Seu mais recente trabalho, Os Fantasmas Ainda Se Divertem, não apenas faz jus ao clássico de 1988, mas também solidifica a presença do diretor no panteão das figuras criativas mais iconoclastas do cinema. No entanto, após uma longa espera de 36 anos, é possível questionar: o filme supera a nostalgia e se firma como uma obra relevante no cenário contemporâneo? A resposta, felizmente, é afirmativa, mas não sem algumas ressalvas.

O novo capítulo da franquia Beetlejuice ressurge com uma fórmula que, embora familiar, tem a rara habilidade de se renovar. O roteiro, assinado por Alfred Gough e Miles Millar, se mostra afiado, equilibrando humor excêntrico, comédia de situações e o tom de terror que o filme original apresentou, mas com uma pegada ainda mais intensa. Os Fantasmas Ainda Se Divertem entrega um filme mais sombrio em seus elementos de terror, sem perder o toque irreverente que o tornou um clássico cult. A mistura de piadas nonsense, momentos surreais e um ritmo imprevisível são a marca registrada de Burton, e ele aproveita a ocasião para brincar com a própria ideia de continuidade, transformando o retorno de Beetlejuice em uma sátira ao próprio ato de reviver um ícone.

Tim Burton acerta ao incorporar ao filme os elementos visuais que o consagraram na década de 1980, mantendo a estética de stop-motion, os efeitos práticos e as cores saturadas que ajudaram a consolidar a estética de Beetlejuice. O cineasta, entretanto, não se limita à nostalgia; ele revisita seu estilo de forma moderna, criando uma atmosfera que ao mesmo tempo homenageia o passado e faz uma leitura ousada da atualidade. Aqui, mais do que uma mera adaptação ou continuação, o filme se sente como uma redescoberta da alma de Burton, que, após um hiato de cinco anos sem projetos cinematográficos de grande porte, retorna em sua forma mais irreverente.

Um dos maiores acertos da sequência é o retorno do elenco original. Michael Keaton, Winona Ryder e Catherine O'Hara voltam aos seus papéis com a leveza e sagacidade de sempre, e, como bons artistas, conseguem dar um novo vigor a seus personagens, mesmo com menos tempo de tela. Keaton, como o irreverente bio-exorcista Beetlejuice, continua sendo um dos pontos altos do filme, conseguindo manter o timing cômico impecável, mesmo que seu espaço na narrativa tenha sido reduzido. Porém, é O'Hara quem se destaca como a figura mais excêntrica da produção, com sua Delia Deetz se tornando uma das melhores surpresas do filme, ainda mais hilária e irreverente do que no original.

A adição de novos talentos ao elenco também é notável. Jenna Ortega, que já tem se firmado como a grande promessa do gênero, traz uma energia gótica que resgata a essência do terror burtoniano, e sua presença no filme é, sem dúvida, um dos pontos altos da produção. Ao lado de Ortega, nomes como Justin Theroux, Monica Bellucci e Willem Dafoe entram em cena para completar a montagem do elenco, proporcionando personagens excêntricos e caricatos que colaboram para a construção da atmosfera surreal do filme. Dafoe, como o chefe de polícia excêntrico e Theroux, com seu papel de aproveitador clássico, são exemplos de como o filme usa seus personagens para criar um tom leve, mas com muito mais profundidade do que aparenta.

É interessante observar como a mistura de elementos clássicos e atuais se revela um dos maiores trunfos do filme. Burton, embora um mestre do grotesco e do bizarro, se mantém atento às transformações do público e das tendências cinematográficas, conseguindo alcançar tanto os fãs de longa data quanto aqueles que chegam à franquia agora. Esse equilíbrio entre o velho e o novo faz de Os Fantasmas Ainda Se Divertem um filme extremamente relevante, que sabe como brincar com a nostalgia, sem cair na armadilha do “fan service” vazio.

No entanto, apesar de todas as suas virtudes, Os Fantasmas Ainda Se Divertem apresenta uma sensação de déjà-vu, uma vez que a história em si não traz tantas inovações como se poderia esperar de uma sequência de 36 anos. Embora o filme acerte no tom e na retomada do estilo, é difícil não esperar algo mais ousado, mais surpreendente, após tanto tempo. O que Burton oferece é, sem dúvida, uma obra divertida e surreal, mas que talvez peca por não explorar novas possibilidades narrativas ou subverter as expectativas de forma mais radical. Em um cenário onde continuações às vezes se tornam esquecíveis ou desnecessárias, Os Fantasmas Ainda Se Divertem consegue evitar esses tropeços, mas não leva a narrativa a um nível mais profundo ou inovador.


Os Fantasmas Ainda Se Divertem é uma produção que, ao mesmo tempo em que celebra a carreira de Tim Burton, solidifica seu lugar como uma sequência que não só honra o original, mas também oferece algo de valor para o público contemporâneo. Embora o filme não seja perfeito e tenha momentos que se arrastam em sua familiaridade, a diversão, o humor excêntrico e a irreverência continuam firmes, proporcionando uma experiência cativante. Ao retornar às suas raízes, Burton mostra que ainda é capaz de surpreender e, mais importante, de se reinventar dentro do que já construiu. Quem diria que, 36 anos depois, Beetlejuice ainda teria tanto a nos ensinar?

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